«Campo/Contracampo», José Pedro Croft
A obra de arte é um objeto de passagem e a nossa vida é também uma passagem. Só podemos baralhar as cartas e mudar-lhes a ordem. O que é preciso é reordenar o que está estabelecido e criar uma outra ordem decomposta. Quando falamos de escultura na Europa, falamos de monumento, mesmo quando ela é transportável. Trata-se de trabalhar a partir da destruição, da ruína, do desgaste… A morte é, realmente, o nosso futuro.
José Pedro Croft, em entrevista conjunta com Rui Sanches,
por Teresa Blanch, 2001
Na presença de uma obra de José Pedro Croft (JPC), sempre regressa a mim o Homem Vitruviano de Leonardo da Vinci, esse homem que descobre a geometria através da movimentação coreografada do seu corpo.
São os rastos dessa coreografia do corpo em movimento que se adivinham na base dos seus desenhos ou no movimento antecipado dos corpos em trânsito que completam o sentido espacial das esculturas.
Cada escultura de JPC tem implicitamente inscrita a sua própria coreografia.
Se a fruição da obra de arte poderá ser um veículo privilegiado para a epifania ou transcendência, o processo de construção é em Croft diametralmente oposto a qualquer possibilidade do sublime. Ele é um processo pragmático, realizado a partir de sedimentos, com assemblagem, dobragem, corte, desdobramentos e falsas simetrias, criado para desfazer limites, da perceção, abrindo a outras possibilidades. Um movimento elíptico, perpétuo, que transita de um lugar a outro, para regressar à origem que já não é o lugar do qual partimos.
O erro, a correção, a presença dos elementos construtivos — nunca são rasurados, e são o testemunho da impossibilidade de construção de um mundo sem mácula.
Longe do sublime, a sua obra transporta a geometria para o tempo presente não explícito. A geometria como relação de forças.
Do «Minimalismo», reteve a economia de meios. Da «Arte Povera», resgatou a possibilidade do objeto.
A sua obra provém de um tempo ancestral no qual cada obra de arte ambiciona ser uma máquina imperfeita, sempre inacabada, uma armadilha, no sentido que lhe atribui Alfred Gell, um artefacto-rombo do qual nada sabemos da sua origem ou do seu destino, mas, ainda assim, detentor de uma energia capaz de atrapar e transformar. Este é para Croft o sentido último da obra de arte.
A forma acabada não lhe interessa, ela é sempre uma resposta circunstancial a um problema, é sempre uma possibilidade num infinito campo de possibilidades, é sempre, e sobretudo, a reificação de uma tensão que assim se materializa para enfraquecer e poder transformar-se, num processo sem fim. Só isto lhe tem permitido tratar o mesmo assunto formal nas últimas quatro décadas sem se repetir.
Se a escultura é, acima de tudo, uma correlação de presenças, e, por essa via, de campos de energia associados a todas e a cada uma dessas presenças, ao escultor compete orquestrar esses campos de energia, corrigir os seus percursos, explicitar uns, anular outros, captar movimentos de energias circulares que não se encontram.
Em 2018, JPC recebe um convite da Fundación Cerezales Antonino y Cinia (FCAYC) para uma exposição, em Cerezales, León, e decide propor a inclusão do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra e do Anozero – Bienal de Arte de Coimbra, com quem já estava a desenvolver um projeto, permitindo assim a concretização de algo que ambicionávamos realizar há alguns anos, abrindo caminho à 1.ª coprodução internacional da Bienal.
Em Cerezales, na presença de um espaço horizontal cujos topos são constituídos por planos integrais de vidro, estabelecendo uma continuidade entre o interior e o exterior, JPC reconhece um forte campo energético unidirecional, que importa curto-circuitar, redirecionar, introduzindo uma geometria de fricção, reordenando o que está estabelecido através da colocação do conjunto escultórico constituído portrês pares de planos inclinados, em equilíbrio periclitante, que convocam o trânsito do corpo do espectador pelo espaço, redefinindo os limites deste corpo/espaço. A cor, monocromática em cada plano, e tomada das esculturas dos museus de Zaragoza e Machado de Castro, em Coimbra, é utilizada aqui sublinhando o artifício, reforçando a criação de ritmos e (falsas) simetrias.
Concebidas como «esculturas para armar», na presença do Maneirismo do Refeitório do Convento de Santa Clara-a-Nova, em Coimbra, este conjunto escultórico reconfigura-se e acompanha a verticalidade do espaço propondo um conjunto de dois trípticos monumentais que se verticalizam e desmaterializam, removendo parcialmente os elementos construtivos de revestimento — chapas de aço pintado —, ativando a estrutura regular de suporte das esculturas, antes dissimulada pelo revestimento. Materialidade, cor, sombra, luz, espaços de fuga e de tensão estabelecem correlações improváveis, campos de energia em trânsito que, impedindo a perceção total e imediata do espaço do refeitório, o reconfiguram, criando jogos duplos.
19 set — 30 dez
Horário de funcionamento
ter–sex, 14 h–18 h
sáb, 10 h–13 h e 14 h–18 h
Morada
Convento de Santa Clara-a-Nova, Calçada Santa Isabel, Coimbra
Contatos
T: 910 787 255
geral@capc.com.pt
anozero@capc.com.pt
Organização
CAPC
Fundación Cerezales Antonino y Cinia
Produção
Artworks
Coordenação
Galeria Vera Cortês
Galeria La Caja Negra Ediciones
Apoios
CAPC
CMC
UC
Visitas orientadas
Todos os sábados, às 11 h.
Entrada livre, sem marcação prévia.
É possível marcar visitas para grupos, com agendamento antecipado de uma semana.
Mínimo 10 pessoas, máximo 30 pessoas.
Mais informações:
esfera@capc.com.pt
O CAPC cumpre com as diretivas lançadas pela Direção-Geral da Saúde relativas às regras de saúde pública.
Ajude-nos a cumpri-las.
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